por Miguel Hernâni Guimarães
O ministro abriu a boca e dela saíram ratazanas. Eram cinco, muito pretas, lustrosas, gordas como penicos. O ministro, esse, ainda estrebuchou um bocado, atrapalhando-se com a gravata, mas acabou por cair redondo no chão.
A comoção foi geral. A oposição exigiu eleições antecipadas. O país não podia estar condenado a um governo cujos ministros se dissolviam em ratazanas, alegou.
A posição que não, que não, que estava tudo perfeitamente normal, que tudo corria bem, impecavelmente mesmo, que só irresponsáveis sonhariam com eleições por algo tão fútil, com o país no estado em que estava (aparentemente sem se dar conta da contradição) e todos os gastos que uma consulta popular implicaria.
Apelou-se ao presidente. Mas este, irremediavelmente gagá, fez um longo discurso sobre bolachas e o cultivo do alcaçuz e apelou ao consenso. Às ratazanas, só se lhes referiu de passagem para redundanciar que são um exemplo de empreendedorismo (se bem que na verdade tenha dito "empreendorismo") a todos os títulos exemplar.
Nas televisões, a generalidade dos comentadores aplaudiu muito seriamente o sentido de Estado e a visão do presidente. Sim, senhor. Um grande homem. Seriíssimo.
Por fim, o governo acabou por resolver o assunto com todo o pragmatismo. Como não se conseguiu arranjar ninguém para o lugar do malogrado ministro, extinguiu-se o ministério e distribuiu-se as secretarias de estado pelos restantes. Ninguém lhe deu pela falta.
E quanto às ratazanas, arranjou-se-lhes uns lugares de assessoria pagos principescamente, como é de tradição.
Sim, que às ratazanas ninguém quer que falte nada. E tradições são tradições.
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