por Jorge Candeias
Tentou
convencer-me de que não era deste planeta.
Tentou
convencer-me até de que não era deste universo. De que tinha nascido num sítio
com seis dimensões em vez das nossas quatro. De que tinha uma forma
indescritível, mas que esta nada tinha em comum com a cabeça e tronco e pernas
e braços que eu estava a ver na minha frente.
Tentou convencer-me
de que alguém um dia lhe tinha dado uma caixa. De que lhe tinha dito para
nunca, de modo algum, fosse pelo que fosse, a abrir.
E tentou
convencer-me de que no momento seguinte se viu sugado para fora da sua
realidade. De que se achou em pleno Big Bang, logo intersetado por galáxias em
rápida formação e mais rápido ainda afastamento. De que foi minguando sem dar
conta de minguar, como um balão que se esvazia. De que de repente se viu frente
a frente com uma galáxia do seu tamanho, e logo após com um planeta, e de
seguida com uma montanha, e imediatamente depois com uma cabra com mau feitio.
Tentou
convencer-me de que tudo isto não demorou mais que um instante. Um piscar de
olhos. Um intervalo quântico no tempo.
Tentou
convencer-me de que o tempo só recomeçou realmente a avançar quando a cabra
baixou os cornos e arremeteu.
Disse-me que
nesse momento o tempo passou a passar m u i t o d e v a g a r i n h o.
Que conseguiu
subir a uma árvore, sem saber bem como. Sem sequer saber o que era uma árvore
ou o que era subir.
Que passado um
tempo quase infinito a cabra acabou por se fartar e se ir embora.
Que lá
conseguiu encontrar o caminho até à cidade, mesmo achando tudo o que o rodeava
inexprimivelmente bizarro.
Tentou
convencer-me de que eu fui a primeira pessoa que encontrou.
Disse-lhe para
ir à merda. Para ir tentar enganar outro parvo. Perguntei-lhe como raio falava
português sem sotaque se isso fosse verdade.
Tentou
convencer-me de que não fazia a mínima ideia do que era esse português
de que eu falava. Nem o tal sotaque, nem mesmo falar. De que
pensava em comunicar e o corpo simplesmente comunicava, de que pensava em
deslocar-se e o corpo punha um pé à frente do outro. Tudo sem saber como.
Continuei sem acreditar
numa palavra. Obviamente. Vocês acreditariam?
Tentei
virar-lhe costas, ir-me embora. Ele agarrou-me no braço, não deixou.
E meteu-me uma
caixa na mão, dizendo-me para nunca, de modo algum, fosse pelo que fosse, a
abrir.
E eu agora
pergunto-vos, curioso: abro?
Interessante.
ResponderEliminarObrigado.
EliminarPor improvável que pareça, não acho a cena assim tão improvável... Um pouco. Sim. Mas não muito improvável.
ResponderEliminarMas é bastante curiosa, sem dúvida alguma.
Gostei particularmente da descrição que o estranho faz do caminho que trilhou de sua possível outra realidade até o momento em que a cabra desistiu.
Gostei :)
Lá está; o que é infinitamente improvável para uns não o é para outros. Para quem acredita em bruxas e almas do outro mundo, as histórias de terror que metam bruxas e almas do outro mundo são inteiramente realistas.
ResponderEliminarCoitados.
Devem passar a vida num susto.
E é precisamente nisso que é bom ser o editor de uma publicação como esta. O que conta é o que é infinitamente improvável para _mim_. E para os autores, claro, mas fundamentalmente para mim. ;)
E para mim, tanto como autor como como editor, esta história é infinitamente improvável. :)