por Jorge Candeias
Se tu, leitor, me emprestares uns minutos da tua
vida, eu conto-te uma história. É uma troca justa, parece-me, até porque quem
ma contou jura a pés juntos que a história é verdadeira. Não que se tenha
passado com ele, nota bem. Ele próprio a ouviu contar a alguém que um belo dia
encontrou nunca me chegou a revelar onde. Mas diz que o relato que me fez é
precisamente o que esse conhecido lhe fez a ele, palavra por palavra, tintim
por tintim, com os palavrõezinhos todos tal e qual. Duvidas? Eu também
duvidaria se não o conhecesse, mas conheço. Já fui testemunha de extraordinárias
proezas de memória por parte deste meu amigo. A princípio ficava boquiaberto,
não acreditava, achava que tinha de haver ali truque, uma qualquer consulta a
fontes que o meu olhar atento não vislumbrava, um qualquer ventriloquismo. Depois
vim a saber que não. É um tipo estranho, por vários motivos de que adiante talvez
te venha a falar, mas o principal é a memória. Memória eidética, parece que é
assim que se chama aquilo de que sofre. Sim, “sofre” é a palavra certa. Imagina-te
a nunca esquecer nada, nem a mais insignificante ninharia, nem a cena mais
traumática, e talvez compreendas até que ponto ele pode parecer desaparafusado
ao primeiro contacto. Na verdade faz um pouco de propósito. Exagera. Diz que
assim afasta logo aqueles que não prestam. Que evita ter depois de recordá-los muitas
vezes.