por Jorge Candeias
— Mas o que me irrita mesmo, pá — disse-me ele
enquanto ia arrancando, mastigando e engolindo uma página após outra do livro
de Kafka que eu lhe oferecera — é que podia perfeitamente ter sido picado por
um bicho radioativo com alguma pinta. Com estilo, percebes? Uma aranha, um
escorpião, uma vespa… pá, até um gafanhoto era melhor que a porcaria do
peixinho de prata que me picou. — E mais uma página desapareceu perante os meus
olhos horrorizados, e mais outra logo a seguir. Tentei consolar-me dizendo a
mim próprio que o livro era curtinho e fora uma pechincha, uma edição de bolso
não muito antiga comprada ali perto na liquidação de uma livraria que não
resistira ao governo da troica e à internet. Sem grande sucesso.