quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Terra Brasilis

por Gerson Lodi-Ribeiro


Mammuthus primigenius — o paleontólogo sentencia na praça-d’armas às escuras.
— Em português alto e claro, Professor — o vulto do comandante da nossa Força-Tarefa grunhe, jovial, da primeira fila de cadeiras alinhadas em frente ao telão. — Por favor.
— Mamutes, Excelência — o cientista civil esclarece, fleugmático.
Cá entre nós, se alguém há dois anos me dissesse que eu e meus homens iríamos efetuar um desembarque anfíbio no delta do Mississipi, antigo território dos Estados Unidos da América, em meio a mamutes, manadas de bisões e Deus sabe lá o que mais, eu providenciaria a internação imediata do sujeito.

Hoje em dia, depois de tudo o que passamos nos últimos onze meses, não dá pra entender por que esse paisano do Museu Nacional parece tão surpreso com um bando de mamutes pastando na margem oeste do Mississipi. Tá certo, o cara se diz especialista em mamíferos fósseis do Plistoceno, ou coisa que o valha. Mas, depois que os cidadãos de Santana do Livramento se depararam com preguiças gigantes praticamente do outro lado da rua, numa calçada de Rivera que não existe mais e, segundo ouvi falar, biólogos embarcados na fragata Greenhalgh avistaram dodós nas Ilhas Maurício, eu mais ou menos esperava que os helicópteros batedores que decolaram do convés de voo do São Paulo descobrissem mamutes e mastodontes nas terras virgens da América do Norte que viemos explorar.
Em compensação, os aviões que sobrevoaram a Flórida não avistaram nem sinal de Miami, Orlando, ou de qualquer outra cidade ou presença humana por lá.
— Luz — o comandante da capitânia determina, assim que as cenas bucólicas com os mamutes são substituídas pelo fundo de tela azul do datashow. Quando a luz se faz, pisca os olhos e encara o superior com expressão preocupada. — Então, Almirante?
O contra-almirante grisalho abre um sorriso satisfeito ao assentir ao comandante do São Paulo sentado ao seu lado. Vira para trás, braço apoiado no espaldar da cadeira, varre a praça-d’armas com o olhar, examinando os semblantes dos oficiais superiores e dos cientistas civis sentados nas outras fileiras.
— Não há motivo para frisson. — O almirante fita o paleontólogo com um brilho divertido nos olhos azuis escuros. — Ao menos, enquanto não houver sinal de neandertais...
— Até onde sabemos, nunca houve neandertais na América, Excelência — o cientista balbucia, sem graça, quando as risadas amainam um pouco. — Já na Europa, a questão não está descartada.
— Eu sei, Fernandes. Ao contrário de alguns oficiais aqui presentes, não preguei olho em sua última palestra. — O comandante da FT observa as fisionomias dos subordinados. Sorrisos amarelos em lugar das risadas de ainda há pouco. — Falando sério, o que você supõe que os tripulantes da Jaceguay descobrirão naquela comissão à Nova Zelândia?
— Moas. — O paleontólogo solta um riso nervoso. — Sou capaz de apostar que dentro em poucos meses haverá um casal de moas e uma pá de ovos no Zoo da Quinta da Boa Vista.
Mordo o lábio inferior para conter o sorriso. O Almirante Sauer não é tolo. Essas piadas e brincadeiras servem para desanuviar o ambiente tenso antes de revelar o motivo real para o novo Ministro da Defesa ter insistido tanto na criação desta FT para visitar o território dos antigos Estados Unidos da América.
Dito e feito. Ao perceber que granjeou a curiosidade dos presentes, o Velho solta a bomba de mansinho:
— Espero que ninguém aqui ainda pense que viemos para cá apenas para caçar mamutes para o jardim zoológico do Rio.
É a minha vez de esboçar o sorriso nervoso. Com a carência de recursos que nos assola desde a Transição, a Marinha do Brasil jamais ousaria desembarcar uma coluna de blindados anfíbios no delta do Mississipi só para capturar uns poucos mamutes.
Como se houvesse lido minha mente, o almirante me lança um olhar pensativo antes de prosseguir:
— O motivo de nossa vinda para cá é bem outro. Tudo o que ouvirão a partir de agora é considerado material classificado. Isto também vale para os membros civis da FT e, portanto, o assunto não pode sair desta praça-d’armas até segunda ordem. Fui claro?
Os murmúrios de concordância amuada instigam o comandante da FT a continuar:
— Há pouco mais de três meses, quando seguia rumo à base avançada que estabelecemos em Gibraltar, a Frontin captou fragmentos de uma transmissão de rádio aparentemente oriunda de algum ponto do litoral do Golfo do México.
A novidade desaba sobre os presentes como um petardo.
Desde o advento da Transição, os cidadãos brasileiros foram se convencendo aos poucos de que se tornaram os únicos seres humanos remanescentes na face da Terra.
No início foi difícil acreditar que o resto da humanidade desapareceu sem qualquer explicação, mas os fatos são incontestáveis e contra os fatos não há argumentos.
De uns oito ou nove meses para cá, todos se convenceram de que os quase duzentos milhões de brasileiros estão sozinhos num planeta até bem pouco tempo apinhado de gente. Daí a surpresa em descobrir que, afinal, não estamos tão sozinhos quanto pensávamos.
Uma transmissão de rádio. Há meros três meses.
— Embora a fala dessa transmissão surja entrecortada e, em alguns trechos, ininteligível, — o almirante retoma sua fala, — como vocês próprios constatarão, a locutora articula o inglês.

* * *

Quando desembarco da lancha do São Paulo que me trouxe de volta ao Mattoso Maia e subo a escada rebaixada a contrabordo até o portaló, o sargento de serviço presta continência e informa:
— Comandante Ribeiro, o Senhor Comandante pediu que o senhor passe na câmara dele.
Pelo visto, o Sampaio quer assuntar os detalhes da reunião com o Velho. Sem problemas. Mais do que comandante deste navio de desembarque de carros de combate, Sampaio é meu colega de turma e, acima de tudo, um bom amigo, embora não seja Fuzileiro, mas Oficial da Armada.
Quando bato à porta de sua câmara e me anuncio, ele manda entrar. Sobre o tampo da mesa, uma garrafa de Jack Daniel’s, dois copos vazios e um balde de gelo. Não espero convite para me aboletar na poltrona vazia e lhe contar o essencial do que se passou na praça-d’armas do São Paulo, alertando-o quanto o sigilo.
— Pois é, Naval. — Ele contempla com ar pensativo as duas pedras de gelo pequeninas no copo que acabou de esvaziar. — Segundo o grupo avançado de Gibraltar, a Torre de Belém também desapareceu lá de Lisboa.
— Você quer dizer, do sítio às margens do Tejo onde costumava existir Lisboa — resmungo, saboreando o último gole do uísque de milho. — Pelo menos, lá na nossa Terra...
— Pelo visto, você é daqueles que acredita que só nós fomos transplantados para esta Terra virgem?
— Olha, é mais fácil crer nisto do que imaginar que todos os outros países desapareceram e só o Brasil ficou aqui.
— Os astrofísicos do IAG e os físicos do CBPF garantem que esta é a nossa Terra. Os caras não se cansam de repetir: as mesmas constelações no céu, a mesma distribuição isotópica da crosta terrestre, a mesma gravidade, et cetera e tal.
Isto é o que dá, discutir questões científicas e implicações filosóficas com o zero-um da turma...
— De repente, quem quer que tenha trazido o Brasil para cá criou essa segunda Terra para nós — afirmo sem muita convicção, fazendo menção de levantar da poltrona. Pois a verdade é que, quase um ano depois da Transição, ninguém sabe o autor ou o motivo do desaparecimento do resto da humanidade. Teorias abundam, é claro. — Uma segunda chance.
— Tô sabendo. — Sampaio solta uma risada. Fecha os olhos e abre os braços num gesto teatral. — E no lugar do Brasil, lá na nossa Terra, ficou um buraco vazio, né? Ou, quem sabe, um Brasil virgem, repleto de megatérios e mastodontes...
Mastodontes, sim. Dinossauros, não.
Porque, até onde pudemos constatar em onze meses de pesquisa incessante, esta Terra Brasilis nos foi ofertada no estado exato em que a nossa estava antes do advento da humanidade, como se nós nunca houvéssemos existido. Portanto, uma Terra repleta de mamutes, preguiças gigantes, dodós e moas. Porém, sem dinossauros. Afinal, não tivemos nada a ver com a extinção dos dinossauros.
— Quem sabe, não foi dada uma segunda chance para cada país? — Proponho, meio de brincadeira.
— Duzentas e poucas Terras, Ribeiro? Ou, de repente, milhares delas. Idênticas à nossa, enfileiradas em dimensões adjacentes. — Ao levantar da poltrona, Sampaio exibe o mesmo sorriso cínico dos nossos tempos de garotos no Colégio Naval. — Além de poderes incomensuráveis, essa entidade hipotética deve possuir um senso de humor do caralho, heim?
Se o responsável pela Transição é metido a engraçado, não sei. O que eu sei é que em 18 de maio de 2012 os brasileiros despertaram num mundo novo. Um planeta virgem só nosso.
— Então, o que o Velho decidiu? Vai penetrar Meio-Oeste adentro com seu esquadrão de blindados?
— Afirmativo. — Ergo um brinde jocoso com o copo vazio. — Desembarque previsto para as 0700.
Quando me chamou para um canto, depois de dispensar todo mundo, com exceção do comandante do São Paulo, o Velho foi taxativo:
— Ribeiro, sua missão é avançar terra adentro até determinar a fonte daquela transmissão truncada.
Ao sair da câmara do comandante, abano a cabeça sob o portal cortado na antepara de aço e resmungo à guisa de despedida:
— É bom você avisar seus marujos para encalhar este batateiro na margem amanhã bem cedo.

* * *

O Mattoso Maia não chega a encalhar na margem oeste do Mississipi. Nem precisa. Metro e meio de profundidade não é nada para os sete Urutus do meu esquadrão.
Em condições normais, a presidente teria preferido enviar tropas do Exército. Porém, sem estradas ou aeroportos, a via marítima se tornou a única opção exequível. Mesmo assim, o que se diz em Brasília é que Dilma teria preferido aguardar até que fosse possível enviar uma expedição terrestre de grande porte. Uma expedição de colonização da América do Norte, como um deputado petista se jactou na tribuna do Congresso.
Lógico, a transmissão em inglês mudou tudo. Nem os chefetes mais teimosos do PT, infiltrados no Ministério da Defesa, puderam obstar a proposta do Comandante da Marinha de criar e enviar nossa Força-Tarefa.
Os Urutus avançam margem acima e se afastam do rio e do transporte que os abrigou. Já no reconhecimento aéreo preliminar, os mapas topográficos obtidos junto à embaixada órfã do EUA em Brasília se revelaram inúteis. Ninguém se espantou. Afinal, lá na Velha Terra, este trecho do Mississipi foi remodelado por mãos humanas e aqui os seres humanos nunca puseram os pés.
Quer dizer, isto é o que eu pensava até ontem à noite.
De todo modo, ganhamos terreno com relativa facilidade neste aclive irregular revestido de mato alto, bem diferente das pradarias verdejantes dos westerns americanos.
Houve estrategista de gabinete no Estado-Maior da Armada que cogitou empregar blindados mais bem armados, tanques de verdade, como os SK105, ou caça-tanques, como os EE-18 Sucuris II, incorporados a toque de caixa dois meses atrás. Quando o Corpo de Fuzileiros Navais foi chamado a opinar, argumentamos que, embora mais leves e, em tese, mais vulneráveis, os Urutus se deslocam mais rápido. Anfíbios, são mais adequados ao terreno por vezes pantanoso do delta do Mississipi. Sinceramente, detestaria guarnecer com meus navais num blindado ao qual não estamos acostumados. Ademais, para a missão em curso, não vamos precisar dos 105 mm tank-killer desses EE-18. Não planejamos enfrentar resistência e tampouco engajar em combate contra inimigos hipotéticos. Imagino que as 12,7 mm dos nossos EE-11 devam bastar para pôr uns mamutes pra correr...

* * *

— Só mais um minuto, Comandante. — Fernandes gesticula ao sargento para que gire a câmera a fim de acompanhar o deslocamento dos paquidermes.
É nossa terceira pausa para filmar mamutes nas últimas quatro horas de avanço. Já penetramos pouco mais de cinquenta quilômetros num curso grosso modo perpendicular à margem oeste do rio.
Embora pudéssemos filmar a megafauna do Fernandes em movimento, não crio caso com as paradas. Um ou dois homens de cada viatura saem para esticar as pernas, reconhecer o terreno e, eventualmente, regá-lo, enquanto aproveitamos para estabelecer contato via rádio com a FT.
— Então, Professor? — Encaro o paleontólogo quando constato que o último fuzileiro acaba de regressar ao terceiro Urutu da coluna. — Podemos seguir viagem?
— Com certeza, Comandante.
Ao meu sinal, Gonçalves, tenente que comanda nosso Urutu, manda o piloto piscar os faróis para indicar a retomada da marcha.
Minutos mais tarde, esse oficial murmura ao meu ouvido:
— Que precisão o senhor atribui a essa localização provável da transmissão?
O sussurro ao pé do ouvido tem certa razão de ser. Apenas os oficiais que comandam os blindados estão a par da transmissão em inglês.
— Se fosse para apostar, eu diria que a direção é mais ou menos precisa. Já a distância é só um chute dos garotos do Estado-Maior e não há nenhum Ronaldinho por lá...
— Puxa, Chefe. — Gonçalves ergue o capacete para enxugar o suor da testa nas costas da mão. — Então, o mais provável é não encontrarmos nada.
— É um território danado de grande, Tenente.
— Grande e inexplorado — ele assente com um suspiro deprimido.
Quando penso na quantidade de recursos, conhecimento e poder necessários para criar essa Terra virgem e transferir duzentos milhões de pessoas para cá, também me sinto deprimido.
— É para isto que estamos aqui. — Reprimo meu próprio suspiro e elevo a voz para encerrar a sessão de cochilos, se não vamos acabar matando nossos homens de curiosidade.

* * *

Paramos uma hora antes do anoitecer e montamos o acampamento para passar a noite.
Nossas ordens são claras: não assumir riscos desnecessários. De todo modo, seria ruim para o moral da tropa perder um Urutu entalado num valão ou coisa pior.
Na manhã seguinte me sinto puto ao constatar que nosso acampamento está cercado por uma manada imensa de bisões.
Analiso a situação pela portinhola dianteira antes de me dirigir ao cabo e ao soldado que dividiram os quartos de guarda noturnos.
— Porra, como é que vocês não perceberam que esses bichos estavam envolvendo nosso esquadrão?
— Eu percebi, Chefe. — O cabo me enfrenta com ar sorumbático. — Mas pensei que esse gado estava só de passagem.
— Quando assumi o serviço, chequei pelo infravermelho e me assustei com esse mundaréu de bois em torno da gente. — O soldado fala sem me encarar. — Mas o Cabo Souza falou que era pra não acordar o senhor ou o Tenente.
O mais incrível é que ninguém dos outros blindados se preocupou em dar o alarme.
Examino os semblantes apreensivos desses subordinados palermas. Não adianta admoestar os praças agora. Como aprendi nos quartéis da vida, o Corpo de Fuzileiros Navais tem que operar com o material humano disponível.
— Fernandes, faz ideia de quanto tempo essa manada vai levar para se deslocar daqui?
— Esta planície oferece pasto farto, Comandante. — O civil abana a cabeça, tentando ocultar a satisfação. Aposto que nem em seus sonhos mais otimistas se imaginou acordando no meio de uma manada de bisões. — Pode ser que leve vários dias até abandonar a região.
— E se disparássemos umas rajadas com as 12.7? — Gonçalves arrisca, como quem não quer nada. — Só para assustar.
— Provocaríamos uma chacina. —Fernandes gira no assento com uma súplica no olhar. — Centenas de animais pereceriam no estouro resultante desse tiroteio insensato.
Não estou lá muito preocupado com o bem-estar desses bisões. Por outro lado, nossa missão não inclui a promoção de desastres ambientais. Vai que a entidade que engendrou esta Terra Brasilis decide retaliar contra os autores do morticínio inútil...
— Muito bem, senhores. — Sinalizo a Gonçalves para transmitir minhas determinações às demais viaturas. — Vamos tentar forçar passagem na marra. Quero ouvir esses motores roncando alto. E ai de quem ousar destravar as metralhadoras sem minha ordem.

* * *

Acabou que a manada de bisões consentiu em nos ceder passagem. Malgrado os mugidos indignados e três ou quatro arremetidas contra a dianteira do Urutu que liderou o avanço, logramos abrir caminho sem baixas ou danos materiais. Um avanço tenso e estressante a menos de 5 km/h por entre o oceano de chifres e flancos lanudos. Porém, ao fim e ao cabo, a manobra foi coroada de êxito.
Assim que superamos a manada, retomamos a velocidade normal.
Duas horas mais tarde, quando o indicador do tanque de combustível do nosso Urutu marca três quartos, determino a mudança de estratégia. Divido os outros seis blindados em três pares e sigo em frente para noroeste com o primeiro par. O segundo par segue para o poente e o terceiro assume o rumo norte. Minha diretiva é prosseguir nesses rumos até os indicadores de combustível marcarem 50% de consumo. Com essa precaução prosaica e a margem de segurança representada pelo tanque de reserva, não devemos ter problema em regressar à FT.
Hora e pouco após a separação, cruzamos um curso d’água profundo que não consta dos mapas obtidos junto à antiga embaixada norte-americana.
Embora não dê bola para cinco ou seis cervos que bebem água na margem oposta, cerca de duzentos metros do trecho onde cruzamos o rio, Fernandes fica eufórico com três mastodontes que pastam mais adiante. Uma espécie nova, segundo ele.
— Podemos nos aproximar um pouco mais, Ribeiro? — experimenta, ainda inseguro com a autorização para empregar apenas meu nome de guerra.
O piloto me consulta com o olhar. Assinto em silêncio. Ao sair do rio, reduzimos a velocidade e nos aproximamos de mansinho para não afugentar os animais. As outras viaturas também desaceleram. Fernandes ativa o sargento destacado para operar a filmadora digital.
Quando distamos uns meros cinquenta metros, o trio de paquidermes se digna a reconhecer nossa presença. O macho do bando ergue a tromba, emitindo um barrido grave de advertência.
Os mastodontes não possuem tanto pelo quanto os mamutes. Esse macho em particular também não exibe aquela testa alta característica.
O paleontólogo implora num murmúrio, como se temesse que os bichos pudessem ouvir:
— Podemos parar um pouquinho?
Contrafeito, gesticulo ao piloto para que atenda ao pedido.
Não adianta muito. Dois minutos mais tarde, uma das fêmeas sacode a cabeça, inquieta. O macho solta outro barrido e lidera a retirada honrosa para longe da margem.

* * *

Meia hora antes do pôr do sol, o cabo responsável pela comunicação rádio gira a poltrona para anunciar:
— Comandante, CT Aragão do Nº 2 na linha.
— Abre na fonia.
Assim que o CB-CN cumpre a determinação, ouvimos a voz do Capitão-Tenente Aragão em meio a uma chiadeira danada:
“— Comandante Ribeiro?”
— Prossiga, Aragão.
“— Estamos diante de um morro baixo” — o CT(FN) informa entre um chiado e outro. — “Ao que parece, há uma fogueira acesa lá no topo.”
— Como é que é? Repita sua última.
Troco um olhar com Gonçalves. Ele parece tão excitado quanto os praças a bordo do nosso Urutu.
“— Repetindo.” — Aragão cumpre a determinação na marca. — “Detectamos uma fogueira no topo de um morro. Distância aproximada, três quilômetros. Altitude estimada, cento e cinquenta metros.”
— Entendido, Aragão. — Cerro os maxilares até sedimentar a resolução adequada ante o inesperado. — Manter posição. Grupamentos 1 e 3 a caminho. Câmbio, desligo.
— Puta que pariu, uma fogueira! — Gonçalves murmura entre os dentes.
— Mas, então, tem gente lá! — O sargento encarregado da filmadora conclui o óbvio.
Antes que alguém me venha com novos comentários brilhantes, determino para o comandante da viatura:
— Gonçalves, contate o grupamento 3. Copie a posição do 2 e transmita minha ordem.
— Afirmativo.

* * *

Definitivamente. Trata-se de uma fogueira de verdade e não um incêndio na mata, como Fernandes aventou horas atrás. Um ponto fulgurante isolado no horizonte. Sob noite cerrada, não foi preciso binóculos ou infravermelho para vislumbrá-la de vários quilômetros de distância.
Os sete blindados se reúnem no sopé desse morro. Pretendo aguardar a alvorada para subir com os Urutus.
À noite, após o rancho de ração desidratada à guisa de jantar, os homens permanecem excitados com a perspectiva de encarar os nativos, sejam esses quem forem. O sono não vem. Por isto, não faltam voluntários para o serviço de guarda.
Um soldado mais afoito pede para dormir fora da viatura em seu saco de dormir térmico. Gonçalves indefere o pedido com um sorriso no canto dos lábios. O grupamento Nº 3 reportou ter avistado um vulto parecido com um tigre-dentes-de-sabre semioculto no mato alto. Em princípio, não pretendo dar comida aos animais.
Como a maioria do pessoal a bordo dos Urutus, sinto dificuldade em conciliar o sono.
A fogueira no topo desse morro constitui prova cabal de que a foice da Transição não se abateu tão implacável quanto supúnhamos. Há sobreviventes lá em cima. Cidadãos norte-americanos, como o Planalto temia. Um baque tremendo na pretensão de Brasília de estabelecer colônias no território correspondente ao dos Estados Unidos da América.

* * *

O morro apresenta vários trechos de aclive moderado. Após um exame preliminar, concluímos que os Urutus devem aguentar o tranco da subida.
Após o desjejum de ração reforçado com frutas, emito a ordem aguardada de avançar.
Subimos devagar. Os pilotos escolhem o melhor curso a seguir com toda a calma. De minha parte, mantenho um olho fixo no monitor das câmeras externas, o outro na fresta da portinhola frontal. Assim, demoramos quarenta minutos para atingir o cume do morro.
Estacionamos as viaturas e desembarcamos a equipe destacada para estabelecer o perímetro defensivo e batedores para explorar nossa vizinhança imediata. É melhor não assumir riscos.
Quinze minutos mais tarde, os batedores retornam com a notícia de que encontraram os restos da fogueira avistada na véspera e três choças trançadas com ramos e capim seco. Dos habitantes, nem sinal.
— Comandante, não era propriamente uma fogueira — Aragão relata, postado de pé à minha frente. — É uma pira funerária. Há um cadáver cremado ainda quente sobre um estrado de pedra e madeira carbonizada.
— Nativo?
— Negativo. Não sobrou roupa para analisar. Pelo menos, não num exame preliminar. — O CT empunha o capacete nas mãos. — Mas o que restou dos calçados parece um bocado com sapatos de couro, iguais aos que eu uso com trajes civis.
— Vamos até lá. Preciso ver isto pessoalmente. Fernandes, comigo.
O paleontólogo assente em silêncio. É o que possuo de mais próximo de um legista. Troco um olhar rápido com Gonçalves.
— Tenente, assuma o comando do acampamento.

* * *

Um cadáver cremado.
— Homem de ascendência europeia — Fernandes resfolega, suado da marcha em acelerado.
Não me preocupo se o de cujus é branco, negro ou índio. Só se é cidadão norte-americano ou não. Se for, vai ter político lá em Brasília arrancando as calças pela cabeça.
— Muito bem, pessoal. — Dirijo um olhar pensativo às cabanas feitas de galhos e capim. Um calouro do primeiro ano faria melhor em seu primeiro dia de sobrevivência na selva. — Quem acendeu essa pira não pode estar muito longe.
Retornamos ao acampamento. Dois fuzileiros transportam o cadáver numa padiola improvisada.
Coloco os homens a par do que descobrimos e lhes concedo três segundos para absorver os fatos novos.
— Os habitantes deste morro provavelmente perceberam nossa aproximação e se esconderam aqui por perto. Precisamos encontrar essas pessoas para descobrir quem são. Grupamento 3, guardar o perímetro e preparar o corpo para transporte.
— Afirmativo. — O CT(FN) Torres presta continência com expressão tristonha.
— Grupamento 2, espalhar e vasculhar o morro no sentido horário. Número 1 comigo no anti-horário.

* * *

Visto de longe, este morro parecia pequeno. Quando começamos a batê-lo palmo a palmo, arbusto por arbusto, esquadrinhando cada moita, grota ou reentrância rochosa, sentimos que, mesmo com mais de trinta fuzileiros engajados nesta faina, o morro virou montanha.
— Comandante. — O Sargento Moura aponta com o cano da arma para a entrada de uma caverna rasa coalhada de pedregulhos. — Acho que vi alguma coisa se movendo ali dentro.
Assinto em silêncio. Sinalizo aos fuzileiros mais afastados para reorientá-los. Avançamos de metralhadoras em punho. Travadas.
Gonçalves faz sinal para que os homens se espalhem ao redor da entrada. Eles se abrigam atrás de pedras e troncos de árvores. Quando o pessoal avançado parece distribuído a seu gosto, o tenente me dirige um olhar inquisitivo. Faço o sinal de “prossiga”.
Ele avança cinco passos e para à boca da caverna com o cano da arma apontado para o chão.
— Is anybody there? We are friends. We just wanna talk with you.
Dois ou três fuzileiros mais gaiatos sorriem ante a pronúncia do tenente. Abano a cabeça. O importante é se fazer entender.
Não há resposta.
Gonçalves vasculha o interior escuro da caverna com a mira infravermelha da arma. Ergue o polegar esquerdo, confirmando a detecção de calor residual. Então repete a fala em inglês.
Nada.
Quando se vira para me consultar, sinalizo “avançar com cautela”.
Ele assente. Indicador em riste, seleciona dois homens para acompanhá-lo ao interior da caverna.
Mal os três dão dois passos em direção à entrada, ouvimos um grito atemorizado:
— Don’t shoot! We surrender!
Easy, now. — Gonçalves ergue a mão esquerda. Os dois fuzileiros estacam. — We are friends. Please, go out of the cave, so we are able to talk with you.
Um sujeito magricela, alourado, de vinte e poucos anos, emerge da caverna. Suas roupas estão sujas e rasgadas. Atrás dele surge uma garota morena de cabelos compridos, que seria bonita não fosse o ar maltrapilho. Ela segura um bebezinho de dois meses nos braços.
Please, don’t shoot. — O rapaz insiste em avançar com as mãos para o alto. — Our flight crashed some hundreds of miles far from here…
Entrego minha metralhadora para o sargento ao meu lado.
Algo me diz que esse magrelo não tem o inglês como primeiro idioma.
When did your air flight crash? — Indago ao caminhar desarmado em direção ao casal de sobreviventes.
Many months ago. — A jovem balbucia com voz aguda. — We don’t know for sure. We are Brazilians. Our flight took off from São Paulo in May…
A risada seca de Gonçalves mais parece um latido.
— Tudo bem, pessoal. — Gesticulo aos homens para que baixem as armas. Sorrio ao me dirigir aos três civis. — Vamos prosseguir em português.
— O quê? — A garota engasga, emocionada. — Vocês são brasileiros?
— Meu Deus do Céu... — O rapaz envolve os ombros da jovem com um abraço protetor. — Depois desse tempo todo...
— Gil Lins Ribeiro. — Presto uma continência relaxada antes de lhes estender a mão. — Capitão-de-Fragata, Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil.
— Ainda existe um Brasil? — O rapaz esboça um sorriso inseguro. — Como pode ser? Porque, por aqui, acho que não há mais ninguém... Nós íamos pousar em Orlando. Mas o aeroporto e a cidade sumiram do mapa... Então, meu pai conduziu o avião até Atlanta...
— Seu pai? — Gonçalves arqueia as sobrancelhas, confuso.
— Meu pai era o comandante da aeronave que nos trouxe para cá.
— Proponho o seguinte. — Gesticulo para que ambos se sentem e faço o mesmo. — Enquanto meus homens fazem uma fogueira para esquentar a água para tomarmos um cafezinho bem brasileiro, vocês vão me contar essa história de voo acidentado bem direitinho.
— O senhor é carioca, não é? — A garota me fita de olhos arregalados, com cara de quem não sabe se ri ou chora.
— Sou, sim. Por quê?
— Reconheci pelo sotaque. — Ela responde em paulistês legítimo, sorrindo pela primeira vez. — A fala cheia de “inhos”...
De repente, o fato de eu falar como carioca torna a sobrevivência do Brasil mais real em seus espíritos.
— Então, Capitão... — o rapaz retoma o fio da conversa.
— Comandante — três fuzileiros esclarecem ao mesmo tempo.
— Gil. — Gesticulo aos homens para que permaneçam em silêncio.
— Está bem. Gil. — Ele sorri, um pouco mais à vontade. — Ainda existe gente no Brasil?
— Sobrevivemos praticamente incólumes à Transição. — O sorriso irônico brinca no canto dos meus lábios quando lembro a hecatombe resultante do sumiço de metade da usina de Itaipu. — No entanto, os outros países, seus habitantes, cidades e estradas desapareceram sem a menor explicação no dia 18 de maio do ano passado.

* * *

O sujeito cremado se chamava Rafael Negreiros, Comandante sênior da TAM.
Pelo que conseguimos apurar neste bate-papo inicial, o voo deles, São Paulo-Orlando, cruzou a fronteira brasileira minutos após a Transição se abater sobre nós. Em plena madrugada, com tripulação e quase todos os passageiros adormecidos, ninguém se deu conta de que o mundo lá fora havia acabado.
Horas mais tarde, quando o copiloto acordou em pleno Mar do Caribe, assustou-se com a ausência de comunicação rádio. Os sinais de GPS também haviam sumido. Em pânico ao supor uma pane generalizada nos sistemas de recepção da aeronave, sacudiu o comandante até despertá-lo.
Negreiros constatou que, embora aparentemente funcionais, os receptores só registravam ruído. Sem orientação do controle de voo norte-americano, executaram uma aproximação às cegas. Ambos já haviam voado para Orlando muitas vezes. Conheciam o relevo da região. Sabiam perfeitamente onde o aeroporto devia estar. Só que não havia aeroporto algum por lá. Como o tempo estava claro, puderam constatar que também não havia mais cidades ou qualquer sinal de vida humana no norte da Flórida.
Aturdidos, decidiram prosseguir em voo até Atlanta.
— Meu pai comentou que, na hora do desespero, — Junior esclarece, — imaginou que, independentemente do que houvesse apagado Orlando do mapa, não podia ter afetado Atlanta. Gigantesco como era, o Aeroporto Hartsfield-Jackson devia estar em seu devido lugar.
— Mas não estava. — Leila pisca os olhos lacrimosos.
— Naquela altura, quando enfim sobrevoamos o sítio onde Atlanta deveria estar, com o combustível quase acabando, já não restava muita opção — Junior retoma a explicação. — Desarvorado, meu pai assumiu o rumo sudoeste em busca de um lugar plano para empreender o pouso forçado. Em meio à crise, os passageiros descobriram o que se passava e entraram em pânico.
— Onde vocês aterraram, afinal? — Gonçalves estende a garrafa térmica para encher a caneca de Leila outra vez. — Atlanta fica um bocado longe daqui.
— Pousamos numa pradaria uns duzentos quilômetros a nordeste. — Junior responde. — Lá de cima, o terreno parecia plano sob o mato alto, mas não era tão plano assim e a aeronave se arrebentou toda ao pousar.
— Número de vítimas? — Perguntei.
— Não morreu ninguém no pouso. — O rapaz contempla a fogueira com olhar perdido. — Uns cinquenta feridos. Três deles em estado grave.
— Quantas pessoas havia nesse voo?
— Não sei ao certo. Mais de trezentos, com certeza.
— Aonde está esse povo todo? — Gonçalves lança um olhar de soslaio à entrada da caverna.
— Houve uma discussão séria na manhã seguinte ao dia do pouso forçado. Muitos culparam a companhia pelo acidente. Meu pai e os tripulantes tentaram explicar que Orlando e Atlanta não existiam mais. Poucos acreditaram. Eu próprio não teria acreditado se não fosse meu pai que contasse. Nos dias subsequentes, as pessoas se dispersaram. Teve gente que alegou ter parentes ou amigos nos States e decidiu procurá-los. Meu pai e o copiloto lideraram um grupo de dezessete pessoas — tripulantes em sua maioria — que seguiu para o sul.
— Por que para o sul? — um cabo pergunta da margem da fogueira.
— Como não sabíamos o que tinha acontecido com todo mundo, pensamos que, se tivéssemos que aguardar o resgate até o inverno, aqui faria menos frio.
— Vocês possuíam rádios?
— Retiramos alguns aparelhos dos botes salva-vidas e os dividimos entre os grupos. Na época da caminhada não chegamos a usar. — O rapaz esboça um sorriso triste. — Meses mais tarde, quando já havíamos nos instalado aqui, meu pai encarregou a Leila e eu de tentar estabelecer comunicação com alguém. As baterias já não estavam com carga plena e não tivemos êxito. Não havia ninguém transmitindo. Nenhuma estação comercial. Nada. Para ser franco, acho que ele só nos deu essa tarefa para ocupar nossas cabeças.
— Não que tivéssemos qualquer esperança — Leila murmura para si própria. — Não àquela altura, depois de tudo que passamos.
— Um navio da Marinha captou uma transmissão em inglês uns meses atrás.
— Nós falávamos em inglês — Junior confirma. — Julgamos que seria mais fácil sermos captados por alguém aqui dos States.
— Você falou em dezessete pessoas. — Fernandes lembra. — Onde estão os outros?
— Só sobramos nós dois.
— E o bebê?
— Rafaelzinho nasceu há um mês e meio. — Junior encolhe os ombros com um sorriso sem graça. — Não tínhamos anticoncepcionais.
— O que aconteceu com os outros?
— Nove morreram no caminho para cá. Elaine e Ruth foram atacadas por um casal de dentes-de-sabre. Heitor, Olavo, Amanda e Juarez pereceram no estouro de uma manada de búfalos.
— Emília foi picada por uma cobra — Leila acrescenta. — Mas isto foi depois que chegamos aqui.
— Acabou que o inverno aqui não foi nem de perto tão ameno quanto esperávamos. Trouxemos algumas roupas conosco. — Junior engole em seco. — Mas quase não havia agasalhos. Por causa da gravidez, Leila foi protegida pela maioria.
— A última baixa foi o seu pai?
— Exato — Junior assente, cabisbaixo. — Pneumonia. Como os outros. Nossos antibióticos acabaram há meses.
— Vocês vão nos levar de volta para o Brasil? — Os olhos úmidos da garota brilham com um laivo de esperança. — Eu tinha família em Campinas...
— Vamos levar vocês conosco. Primeiro, para uma temporada a bordo dos navios da nossa Força-Tarefa, fundeados no delta do Mississipi. Daí, dentro em alguns meses, vamos retornar ao Brasil. — Forço um sorriso no intuito de acalmá-los. — Leila, aposto que sua família ficará um bocado feliz quando descobrir que você está bem.

* * *

— Bom trabalho, Ribeiro. — O Velho ergue a taça de espumante num brinde tácito. — Missão cumprida. Mistério solucionado sem disparar um tiro. Sobreviventes para contar a história e, ainda por cima, um bebê! Em suma, baita final feliz.
— Obrigado, Excelência.
— Um norte-americanozinho subnutrido.
— O Doc do São Paulo já assumiu essa faina. — Sorrio, ao erguer minha taça na praça-d’armas repleta da capitânia.
— Com muito prazer. — Fragoso, CF(MD), Chefe do Departamento Médico do São Paulo e Doc mais antigo da FT cofia o bigode espesso com um sorriso. — Prometo que, antes de ingressarmos em águas territoriais brasileiras, o garotão estará acima do peso e vendendo saúde.
— Águas territoriais brasileiras. — O Almirante solta uma risada. — Há mais de seis meses que não ouvia esse termo arcaico.
— Obsoleto, Almirante. — O comandante da capitânia vira a dose de scotch num gole só. — Obsoleto.
— Que seja, Farias. — O Velho balança diante dos olhos a taça com um restinho de espumante. — Mas, se eu fosse você, saboreava melhor esse Ballantine’s. Ouvi falar que a MB já não tem muitas caixas em estoque. Quando acabar, acabou.
— Ciente, Excelência. — O Capitão-de-Mar-e-Guerra Farias contempla o copo vazio com olhar nostálgico. — Aliás, o mesmo vale para aqueles tintos de Bordeaux que o senhor adora.
— É verdade. — O almirante examina sua taça com ar pensativo. — Sem falar nos champanhes. Aliás, por que você acha que só embarcamos espumantes da Casa Valduga nesta comissão?
— Dama e cavalheiros, para bem e para mal, um brinde à Terra Brasilis. — Ergo minha taça de espumante gaúcho acima da cabeça. — E ao retorno seguro ao Rio de Janeiro.
— No que me diz respeito, — Leila degusta o espumante em goles diminutos, — o maior prazer é saborear feijão com arroz, carne seca, bife com batata frita, café com leite... Vocês não imaginam como sentimos saudades dessas iguarias.
A praça-d’armas se enche de risadas.
— Almirante? — Bendita fruta entre os varões, nos últimos dias Leila adquiriu certa familiaridade com o Comandante da FT.
— Pois não, senhorita.
— Senhora, Excelência. — Rafael Negreiros Junior julga por bem frisar.
— Pois não, minha querida. — Risonho, o Velho presta uma vênia galante à jovem senhora, recém-casada pelo capelão de bordo, e que agora traja um macacão de serviço que não logra disfarçar suas formas benfeitas.
— É possível comer pão de queijo a bordo?
— Claro. Se não fosse, não estaríamos num navio da MB. Não é verdade, Comandante Farias?
— Com certeza, Excelência. — Apesar do sorriso confiante, o CMG Farias lança um olhar inquisitivo ao seu Chefe de Intendência. — Com certeza.
— Perfeito. — Sauer pisca o olho ao comandante da capitânia. — Então, amanhã teremos pão de queijo no desjejum do São Paulo e da FT. É uma ordem.
— Afirmativo, Excelência. — Devidamente tranquilizado pela confirmação de seu oficial intendente, Farias abre um sorriso de orelha a orelha.

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