Por João Ventura
Quando despertou, estava sem orelhas. Ficou furioso.
Acordou a mulher, que dormia a seu lado, e queixou-se:
— Tu já viste isto? Estes tipos da "Limpeza Enquanto
Dorme, SARL" são uns aldrabões! O que é que dizia o prospecto? Levamos as
peças depois de adormecer e trazemo-las de volta antes de acordar. Tretas! E
agora sem orelhas, como é que eu vou trabalhar?
A mulher tentou deitar água na fervura.
— Olha, era pior se fosse o nariz. As orelhas ainda
se disfarçam, está frio, pões o gorro de lã e um cachecol.
Mas ele continuava furioso.
— E já é a segunda que fazem! Lembras-te quando
faltou um dedo? E logo o do anel! E só o trouxeram dois dias depois, e com a
unha por limpar! Na volta do trabalho passo pela agência e peço o Livro de
Reclamações. Vão ter a Defesa do Consumidor à perna!
A mulher encolheu os ombros. Até achava que ele
ficava mais bonito sem orelhas mas, com ele tão zangado, não se atreveu a dizer
nada.
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