por Álvaro de Sousa Holstein
Porque os deuses são o mais das vezes vingativos, todos os
cuidados são poucos.
Lembro-me bem de que, após ter pisado um
escaravelho, um homem foi fulminado. Os jornais noticiaram o caso como se se
tratasse de uma estranha coincidência, mas apesar de tudo uma coincidência e
nada mais.
Alguns anos depois assisti pessoalmente, numa
das minhas idas ao Príncipe, à morte por esmagamento de um homem após ter
esborrachado uma borboleta noturna.
Quando dei por mim estava já completamente
embrenhado na busca de situações similares. Para meu espanto eram inúmeras.
Dediquei assim os dez anos seguintes a recolher e analisar todos esses
acontecimentos.
No final decidi escrever um ensaio em que
provava o que para mim era uma realidade incontornável. Certos tipos de
insetos, se esmagados, provocam de seguida a morte dos perpetradores.
Antes de pôr mãos à obra, ponderei se o deveria
fazer ou não. As consequências poderiam ser devastadoras para a minha vida. O
mais certo era passar por mais um demente e ser afastado da faculdade. Mesmo
assim, e num impulso que se veio a revelar trágico, escrevi e publiquei o
ensaio.
As consequências foram muito para além do que
poderia imaginar. Não só perdi o emprego, como me tentaram internar num
hospital psiquiátrico. Com exceção de um amigo, para todos os outros passei a
ser a ser um leproso.
Tive que sair do país e rumar para longe. Voltei
ao Príncipe. Sempre adorei a ilha e aí ninguém sabia quem eu era. Melhor, era
um branco maluco que gastava os dias a passear na floresta. Inofensivo.
Instalei-me e consegui arranjar um biscate como
tradutor. A era do teletrabalho funcionou a meu favor. Mandavam-me o que
queriam por correio eletrónico, o trabalho, depois de pronto, seguia a mesma
via em sentido contrário e o dinheiro caía-me eletronicamente na conta. Uma
maravilha.
Passaram-se alguns anos sem que a minha vida
sofresse qualquer alteração.
Um dia passeava pela floresta quando vi um
enorme gafanhoto cobalto. Parei, aproximei-me, e o bicharoco começou a mover
carinhosamente as antenas.
De súbito, um barulho. Atrás de mim tinha
surgido um grupo de negros corpulentos. No centro, um mais alto, que
manifestamente era o chefe, pegou num enorme alfinete e cravou-o no bicho.
Gritei, tentando alertar para a tragédia que o
ato desencadearia, mas ninguém me ligou.
✺
«São Tomé: Português implicado na morte do
Presidente» — exibia a primeira página do JN.
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