sábado, 28 de julho de 2012

O Gafanhoto

por Álvaro de Sousa Holstein


Porque os deuses são o mais das vezes vingativos, todos os cuidados são poucos.
Lembro-me bem de que, após ter pisado um escaravelho, um homem foi fulminado. Os jornais noticiaram o caso como se se tratasse de uma estranha coincidência, mas apesar de tudo uma coincidência e nada mais.
Alguns anos depois assisti pessoalmente, numa das minhas idas ao Príncipe, à morte por esmagamento de um homem após ter esborrachado uma borboleta noturna.
Estes dois casos foram erodindo um espaço na minha imaginação e tornaram-se numa ideia recorrente.

 
Quando dei por mim estava já completamente embrenhado na busca de situações similares. Para meu espanto eram inúmeras. Dediquei assim os dez anos seguintes a recolher e analisar todos esses acontecimentos.
No final decidi escrever um ensaio em que provava o que para mim era uma realidade incontornável. Certos tipos de insetos, se esmagados, provocam de seguida a morte dos perpetradores.
Antes de pôr mãos à obra, ponderei se o deveria fazer ou não. As consequências poderiam ser devastadoras para a minha vida. O mais certo era passar por mais um demente e ser afastado da faculdade. Mesmo assim, e num impulso que se veio a revelar trágico, escrevi e publiquei o ensaio.
As consequências foram muito para além do que poderia imaginar. Não só perdi o emprego, como me tentaram internar num hospital psiquiátrico. Com exceção de um amigo, para todos os outros passei a ser a ser um leproso.
Tive que sair do país e rumar para longe. Voltei ao Príncipe. Sempre adorei a ilha e aí ninguém sabia quem eu era. Melhor, era um branco maluco que gastava os dias a passear na floresta. Inofensivo.
Instalei-me e consegui arranjar um biscate como tradutor. A era do teletrabalho funcionou a meu favor. Mandavam-me o que queriam por correio eletrónico, o trabalho, depois de pronto, seguia a mesma via em sentido contrário e o dinheiro caía-me eletronicamente na conta. Uma maravilha.
Passaram-se alguns anos sem que a minha vida sofresse qualquer alteração.
Um dia passeava pela floresta quando vi um enorme gafanhoto cobalto. Parei, aproximei-me, e o bicharoco começou a mover carinhosamente as antenas.
De súbito, um barulho. Atrás de mim tinha surgido um grupo de negros corpulentos. No centro, um mais alto, que manifestamente era o chefe, pegou num enorme alfinete e cravou-o no bicho.
Gritei, tentando alertar para a tragédia que o ato desencadearia, mas ninguém me ligou.


«São Tomé: Português implicado na morte do Presidente» — exibia a primeira página do JN.

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