segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Cientista


por Fernando Soromenho

NA: O autor agradece a Jorge Candeias as valiosas sugestões de revisão.

O dia em que o mundo acabou começou para o cientista como outro qualquer. No seu laboratório, imerso nas profundezas do oceano Atlântico, o cientista testava a criação daquelas terríveis singularidades a que os comuns chamavam buracos negros. A cada dia que passava a sua frustração aumentava; sabia ser possível que algures, na Europa, nos Estados Unidos ou na China ou, pior ainda, nas Arábias, algum outro cientista, daqueles com grupos de trabalho imensos, constituídos por estagiários mal pagos mas brilhantes, conseguiria antes dele criar, manter e manipular uma das singularidades que procurava.

No dia em que o mundo acabou, o cientista preparou a onda Wakefield de aceleração de plasma que ele próprio aperfeiçoara e mantivera em segredo. Para melhor se concentrar, desligara-se há meses, por completo, da rede internacional de contactos, do mundo exterior. Nem rádio, nem TV, nem internet, nada. O fundo do Atlântico era perfeito para se isolar da chusma de gentes e notícias e afazeres e distrações que o impediriam de fazer História. Ali, finalmente só, poderia preocupar-se apenas com o trabalho. Ali, conseguiria levá-lo até ao fim, obter resultados e depois publicá-los e a seguir... a seguir, claro, era o Nobel. Totalmente merecido.
No dia em que o mundo acabou por colisão com um asteroide identificado há meses pelo NEAT, o cientista tinha conseguido por breves segundos manter um buraco negro ativo.
No momento em que o mundo acabou festejava, eufórico, dançando uma valsa de Strauss abraçado a uma garrafa de champanhe que levara consigo especialmente para o efeito.
Não chegou a receber o prémio Nobel.

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